NOTA DO MOVIMENTO DE JURISTAS NEGRAS E NEGROS DO BRASIL SOBRE COTAS RACIAIS E PARIDADE DE GÊNERO NO SISTEMA OAB: AVALIAÇÃO DO CENÁRIO E PERSPECTIVAS
“Enquanto houver racismo não haverá democracia – Convocamos os setores democráticos da sociedade brasileira, as instituições e pessoas que hoje demonstram comoção com as mazelas do racismo e se afirmam antirracistas: sejam coerentes. Pratiquem o que discursam. Porque a prática é o critério da verdade.”
Em 01/12/2020, reuniu-se o Colégio de Presidentes das seccionais da OAB de todo o Brasil deliberando, essencialmente, pela paridade de gênero, garantindo, assim, uma ampliação substancial da participação de mulheres no sistema OAB. Na mesma ocasião foi aprovada proposta de ação afirmativa para negras e negros, traduzida em cotas raciais, estas fixadas no percentual de 15%, respeitada a paridade de gênero, embora a proposta originária tenha sido no importe de 30% de reserva. A recomendação para o implemento de ambas as políticas é de que produzissem efeito imediato, contemplando, portanto, as eleições de 2021. Apesar dos temas serem de profundo interesse de toda a categoria profissional e de toda a sociedade, a sessão não foi transmitida pelo canal da OAB Nacional e foi através do ativismo virtual de algumas conselheiras federais que pudemos acompanhar, precária e parcialmente, os encaminhamentos ao longo do dia, bem como noite adentro.
Entendemos ser necessária uma breve, mas, imediata análise e avaliação deste cenário e conseguintes perspectivas, no tocante à participação da advocacia negra em todos os setores da Ordem, considerada a reserva de cotas supramencionada, de modo a problematizar as implicações políticas dessa medida, haja vista a proximidade da sessão plenária do Conselho Federal da OAB que julgará as propostas, demandas antigas da advocacia negra.
A ausência de transmissão da sessão, com matérias decisivas para a advocacia brasileira, somando-se à negativa de inversão de pauta de julgamento, relegando ao final os debates sobre paridade de gênero e equidade racial parece não denotar o desejável prestígio desses temas. Diversos aspectos formais deste Colégio de Presidentes trazem reflexões sobre representação – advinda de legitimidade democrática e argumentativa – e representatividade (efetiva) da advocacia negra no sistema OAB, particularmente, sobre mulheres negras advogadas.
Registramos ser imperativo que, especialmente, quando presentes pautas institucionais que reflitam direitos fundamentais e prerrogativas da advocacia, sobretudo, quando discutidos temas atinentes a maiorias silenciadas no Brasil e nas instituições, como mulheres e negros, haja ampla cobertura das sessões federais e seja dada publicidade pela via de transmissão das sessões, sob pena de rebaixamento do princípio da transparência e renovação de práticas de exclusão, violadoras da participação democrática de toda a advocacia nos grandes debates. Por isso, reivindicamos a cobertura e transmissão da sessão plenária do Conselho Federal da OAB que discutirá paridade de gênero e equidade racial no sistema OAB, a princípio, marcada para 14/12/2020, pelo canal no Youtube da OAB Nacional.
É, sim, um momento especial, importante e histórico porque, apesar da resistência e oposição de alguns representantes seccionais e do surgimento de propostas estapafúrdias condicionantes das cotas raciais e validadoras da perda da singularidade da advocacia negra e outras, ainda, fomentando a ideia de impossibilidade da ocupação dos cargos no sistema pela escassez de advogadas negras e advogados negros locais, no dia 01/12/2020 ficamos mais próximas e mais próximos de, pela primeira vez, ter OABs estaduais com representação da advocacia negra ou mais do que uma advogada negra ou advogado negro único no seu colegiado, como acontece, atualmente, em diversas seccionais. Foi um passo inquestionável, mas, não esquecemos que “nossos passos vêm de longe”. Hoje, portanto, é um novo dia de luta!
Cumpre-nos destacar que o reconhecimento institucional da necessidade de incremento ao sistema OAB do procedimento de cotas raciais – considerando o histórico perverso de racismo contra a população negra brasileira, incluindo o negacionismo quanto ao preconceito e discriminação racial na sociedade, Estado e instituições (públicas e privadas – é resultado de mobilização e incidência política da advocacia negra – coletivas e coletivos, frentes, institutos, associações, escritórios -, membros e organizações do movimento negro, advogadas negras e advogados negros integrantes do sistema OAB nos âmbitos estadual e federal, acadêmicas e acadêmicos de Direito, juntamente com o apoio de aliadas não negras e aliados não negros, taticamente posicionados/as e comprometidos/as com a equidade racial.
Em Março de 2020, por ocasião da III Conferência Nacional da Mulher Advogada, juristas negras redigiram uma carta-proposta, apresentada à Diretoria da OAB, discutindo a flagrante ausência da advocacia negra nos espaços de poder real institucional e propondo a criação de um Plano Nacional de Ações Afirmativas da Advocacia Negra, a partir de um amplo debate com a parcela da classe destinatária do projeto. A recomendação de implemento de políticas afirmativas, mediante um plano nacional que garantisse a democratização da instituição através da adoção de diversas medidas complementares, evidenciaria a ideologia prevalecente no sistema OAB: de acolhimento à luta negra pela participação concreta, com expressão e potencial deliberativo interna corporis, bem como de um ineditismo dentro do sistema de justiça quanto às práticas antirracistas, apontando para uma mudança do perfil atual de representação majoritário, que produz e reproduz desigualdades.
A proposta pautada pela mesa Diretora para discussão plenária do Colégio, e admitida com ajustes, foi apresentada originariamente pela Conselheira Federal Daniela Libório (SP). Sendo mantido o entendimento do Colégio de Presidentes na sessão plenária do Conselho Federal da OAB, a aplicação da paridade de gênero e das cotas raciais será imediata e válida para as formações de chapa da eleição para a gestão 2022-2024, cuja eleição ocorrerá no próximo ano.
Conclamamos, entretanto, nossas representantes e nossos representantes no Conselho Federal ao firme e público reconhecimento da necessidade de ampliação corajosa e urgente do marco percentual de reserva de cotas, por justiça, para os 30% pleiteados na origem, bem como do importe de parâmetros análogos ao da legislação sobre cotas federal e estadual – quando existente – a fim de que, também, não verifiquemos o fenômeno da eleição municipal de 2020, com autodeclarações de raça críticas e oportunistas, desatreladas das características fenotípicas individuais constituintes das representações físicas de uma pessoa lida socialmente como negra (preta retinta ou preta clara/pardo). É preciso pensar num todo de ações que deem contornos ao implemento das cotas raciais com segurança para que fortaleçam, via reflexa, o sistema OAB como um todo.
Reconhecemos, nesse processo, a importante contribuição de Dra Daniela Borges, Conselheira Federal (BA) e presidenta da Comissão Nacional da Mulher Advogada e da Dra Silvia Cerqueira, presidenta da Comissão Nacional de Igualdade Racial, e única mulher negra naquele espaço deliberativo, que defenderam bravamente a equidade racial, no percentual de 30%, condizentes com o quanto estabelecido no âmbito dos poderes públicos para concursos, acesso às instituições superiores de ensino, fundo partidário, que variam entre 20% à 40% de reserva de cotas raciais, a luz da desproporcionalidade existente nas entidades e independentemente de um censo racial.
A paridade de gênero e a equidade racial (no percentual de 30%), para todos os cargos do sistema OAB e com efeito imediato, são inegociáveis e qualquer tentativa de obstrução e preterimento dessas conquistas pela arguição de necessidade de plebiscito, anualidade, censo racial, proporcionalidade ou alegação de inviabilidade por ausência da advocacia negra local será reputada como opção pela manutenção do pacto narcísico da branquitude: emaranhados de sutilezas, revestidos de neutralidade, que seguem excluindo as pessoas negras de espaços políticos aos quais pertencem por direito.
Esta é a segunda vez que a paridade de gênero é debatida em Conselho Federal; novamente, mais de 600 mil advogadas inscritas nos quadros da OAB veem sua representatividade em risco. Em 2018, metade da advocacia brasileira foi compelida a esperar vez e voz. Em 01/12/2020, infelizmente, os debates expuseram tentativas de limitação de um direito inquestionável à critérios que importam em verdadeiro óbice à representatividade étnico-racial e de gênero na entidade.
Por quanto tempo mais a advocacia negra no Brasil terá de esperar para que esta instituição cesse a injustiça das invisibilidades em seus quadros e leve a cabo o projeto constitucional de sociedade livre, justa e solidária?
Por fim, considerando que, dos 81 conselheiros federais, há apenas um homem negro advogado, o Dr André Costa, mas nenhuma mulher negra advogada conselheira federal e votante mas possui 19 mulheres brancas e não negras advogadas, conselheiras titulares, portanto, com direito a voz e voto; também, sendo a Dra Sílvia Cerqueira, presidenta da Comissão Nacional de Igualdade Racial, a única mulher negra advogada a estar presente numa plenária com direito a fala – embora sem direito a voto – no Colégio de Presidentes e que estará também na próxima sessão do Conselho Federal que decidirá sobre a paridade de gênero e a equidade racial, vimos requerer à Diretoria do CFOAB que autorize a participação de juristas negras e negros, que representem as bases do sistema OAB, na sessão plenária de 14/12/2020, com concessão de tempo para sustentação de razões e exposição dos motivos que devem respaldar e conduzir o CFOAB ao acolhimento integral dos pleitos de paridade de gênero e cotas raciais de 30%, com efeito imediato, sem que haja, de qualquer forma, comprometimento do tempo regimental da representante da Comissão Nacional da Promoção da Igualdade Racial.
É fundamental que se garanta a diversidade do pensamento jurídico e das experiências que atravessam a advocacia negra nos debates, para ampliação da tutela do interesse institucional da advocacia negra, garantindo-se a isonomia e segurança jurídica, imprescindíveis ao Estado Democrático de Direito.
Não está distante o tempo em que demandaremos a participação paritária da advocacia negra no sistema OAB! Por enquanto, descobriremos na sessão do dia 14/12/2020, que pautará e julgará sobre cotas raciais e paridade de gênero, quem são os aliados e as aliadas antirracistas que, de fato, integram o Conselho Federal da OAB.
Para apoiar a Nota de Juristas Negras e Negros pela paridade de gênero e reserva de cotas de 30% no sistema OAB, com efeito imediato, assine a petição pública no link:
https://bityli.com/m0GqW
Compartilhe essa mensagem em suas redes sociais, vamos dar ampla publicidade a esta iniciativa. Seja antirracista apoiando ações afirmativas.
A pauta de equidade racial em qualquer espaço deve ser um compromisso de toda a sociedade.