Projeto criado junto com Aline Nascimento e Carolina Hola atua dando assistência jurídica e multidisciplinar para defender mulheres que sofreram violência. Laina é uma das finalistas na categoria Sociedade Civil do Prêmio Viva 2020
Laina Crisóstomo é uma advogada que teve muitas dúvidas sobre seguir ou não a carreira. “Eu nunca via advogados negros e isso me deixava ainda mais em dúvida”, conta. “O tempo passou até que assisti à palestra de um advogado negro e ele falou como sofria racismo na atuação. Foi ali que eu soube o que queria: atuar contra o racismo; ninguém iria me parar”, diz ela.
Mesmo assim, Laina ficou anos a fio tentando entrar nos padrões de aparência e comportamento impostos socialmente – bastante restritivos também no campo do Direito. “Passei anos alisando o cabelo, tendo transtorno alimentar para caber em uma roupa que diziam ser ‘de advogada’. Hoje, estou tranquila de dizer que sou uma mulher preta, gorda, lésbica, do Candomblé, e que vou para a audiência de chinelo de couro. Sei da minha competência e capacidade.
A criação do projeto TamoJuntas, de assistência jurídica às mulheres vítimas de violência, foi mais um elemento de mudança na vida de Laina. Segundo conta, se tornou o momento em que ela começou a vivenciar o feminismo na prática. “Quando mulheres dedicam parte de sua vida, rotina e de seus recursos financeiros para ajudar outras é porque a gente acredita ser possível pensar em um mundo diferente”, afirma a advogada.
Foi o movimento “Mais Amor Entre Nós”, de Salvador, do qual Laina participava em 2016, que deu a ela o insight para criar a TamoJuntas. “Fiz um post no Facebook me disponibilizando a atender uma mulher por mês entre quem estivesse vivenciando uma situação de violência ou com algum processo na vara de família”, diz. O post chacoalhou seu perfil na rede social e, em apenas 10 minutos, chegaram diversos compartilhamentos, comentários e marcações “Foi incrível! Receber essas demandas foi muito forte para mim. Acabei conhecendo a Aline e a Carolina através dessa mensagem e, na semana seguinte, nos encontramos para criar a página TamoJuntas.”
A ideia do nome TamoJuntas reforça a intenção de sororidade, de que uma mulher está pela outra, dentro do projeto. Procura também ser uma assessoria jurídica acessível, popular, empática e, claro, feminista. “Temos muitas demandas no sudeste e, com isso, vimos a necessidade de ampliar nossa atuação, inclusive de forma multidisciplinar. Passamos a atender com assistentes sociais, psicólogas e não só assistência jurídica”, diz Laina. O projeto funciona atendendo via redes sociais e, logo em seguida, encaminha para um atendimento presencial. “O direito burocratiza a gente, mas a advocacia feminista não me permite isso, porque eu preciso conhecer a história dessas mulheres de perto. É o que faz com que eu milite e atue com ela e por ela, de uma forma diferenciada.”
A pandemia, no entanto, mudou bastante o cenário e a ocorrência dos atendimentos. Eles passaram a ser somente online e, para ela, ainda mais necessários: “Não que não fossem antes, mas a busca por ajuda nesse momento fez com que a gente percebesse um aumento de quase 500% nos pedidos. Na prática, os números subiram de três para 20 casos por dia”, conta. Diante disso, a TamoJuntas conseguiu aprovar um fundo para ampliar os números de WhatsApp de atendimento no Brasil, além de viabilizar também a solicitação de medidas protetivas sem necessidade de boletim de ocorrência. “Isso facilitou para as mulheres terem contato com a gente e, mesmo com a pandemia, avançamos muito”, diz.
A advogada baiana de 33 anos considera a TamoJuntas como sua filha mais nova, um sonho que se tornou realidade. “Minha filha de sete anos chama a TamoJuntas de irmã caçula. E é mesmo”, brinca. Atuar dentro da perspectiva de gênero fez com que ela mudasse até a maneira como se coloca no mundo: “Não me apresento mais simplesmente como advogada. Agora me apresento como advogada feminista. Porque não quero e não vou atuar contra mulheres. Quando atuo contra uma mulher, atuo contra mim”, declara a finalista.
Em um cenário político tão complexo como o que estamos vivendo, e com um governo que caminha “no sentindo contrário do que a TamoJuntas busca”, Laina Crisóstomo critica as políticas públicas voltadas para a mulher. “Falta orçamento, mas falta, especialmente, vontade política. Não só a partidária, não apenas a dos políticos. Mas também do próprio judiciário”, diz ela.
Incansável em sua área de atuação, Laina ressalta a necessidade de haver um maior número de mulheres na política, bem como de se ter um olhar mais empático sobre o tema da violência de gênero. “Precisamos de mais sensibilização e escuta nos serviços. De entender que ele precisa ser humanizado para que as mulheres se sintam ouvidas, acolhidas”, diz. “Na TamoJuntas, muitas das mulheres voluntárias, que trabalham com a gente, já sofreram violência e estão ali querendo livrar outras, mostrar que elas também podem se libertar. O projeto é também um espaço de feminismo na prática”, finaliza
Matéria publicada na Marie Claire*