Em sua terceira edição, a homenagem joga luz sobre as ações emergenciais de defesa aos direitos das mulheres, maiores vítimas de violência e privações econômicas na pandemia e fora dela
Solteira há cinco anos, após um casamento de duas décadas em que nunca sofreu violência, a manicure Marta*, 48, começou um novo relacionamento há dez meses. Curtia o começo do namoro com Roberto, 43, quando a Covid-19 alterou a rotina de todos. Não estava nos planos viver sob o mesmo teto que o companheiro, mas, com as regras da quarentena, concordou que ele ficasse em sua casa, no litoral paulista.
Um dia ao chegar da rua, Roberto encontrou Marta na companhia de um primo. O casal discutiu e ela levou uma facada na mão. Separaram-se por alguns dias, mas logo reataram. Solitária e deprimida com a falta de trabalho, Marta aceitou a reconciliação com a condição de que Roberto não pernoitasse em sua residência. Um mês mais tarde, novas agressões. Desta vez, do hospital a manicure partiu para a delegacia. O agressor foi preso em flagrante e ela conseguiu medida protetiva de urgência, além de descobrir mais registros de agressão contra o companheiro no interior de São Paulo.
Desde então, vive com medo. E passou a fazer parte da estatística que aponta: no Brasil, cinco mulheres são espancadas a cada dois minutos. Negra, moradora da periferia, escapou de integrar outros dados ainda mais alarmantes. Entre as mais de 4.500 mulheres assassinadas no país em 2018 – o que indica média de uma mulher morta a cada duas horas –, 68% das vítimas são negras. Assassinatos esses que aconteceram principalmente em casa. Os números foram revelados em agosto deste ano pelo Atlas da Violência 2020, relatório produzido pelo Fórum de Segurança Pública e o Instituto Brasileiro de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base no Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde. E nessa edição evidenciaram os efeitos do racismo estrutural também na pouca ou nula efetividade das políticas de combate à violência. Enquanto o homicídio de mulheres brancas caiu 11,7%, o assassinato de negras cresceu 12,4%.
“Que políticas públicas estamos implementando que protegem uma mulher não negra e não protege uma mulher negra?”, indagou Samira Bueno, diretora do Fórum de Segurança Pública, na ocasião de publicação do Atlas. Em março deste ano, o questionamento ficou mais latente a partir da chegada da Covid-19. A pandemia que atingiu antes outros países trouxe, com a indicação da necessidade de isolamento social como prevenção, outros recados importantes sobre os efeitos colaterais socioeconômicos dessas medidas para as mulheres. Mesmo em lugares considerados mais seguros para viverem, a violência doméstica aumentou. Como na França, país que está entre os 15 melhores para mulheres viverem, os registros de violência cresceram 32%.
No Brasil, os números também foram alarmantes. Na primeira atualização de um relatório produzido a pedido do Banco Mundial, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) destaca que os casos de feminicídio cresceram 22,2%, entre março e abril deste ano, em 12 estados do país, comparativamente ao mesmo período do ano passado.
“Vista inicialmente como uma crise sanitária, a pandemia na realidade é uma crise humanitária”, afirma Juliana de Faria, diretora de impacto do Think Olga, que já em abril publicou um manifesto de alerta sobre os agravantes da desigualdade para mulheres em tempos de crise. “Nos baseamos no ebola para um report emergencial, no qual apontamos as possíveis sequelas imediatas se medidas específicas não fossem tomadas. Entre as quais aumento de estupro e prostituição infantil, gravidez indesejada, abandono dos estudos e entrada de jovens mulheres no mercado de trabalho informal.”
No contexto específico da Covid-19 no Brasil, os fatores que ampliaram a vulnerabilidade feminina foram, além do isolamento, aumento do consumo de drogas e álcool e do poder de controle dos parceiros, explica Valéria Scarance, promotora de Justiça que atua no Ministério Público de São Paulo. “Importante mencionar, contudo, que não são esses os fatores que convertem homens pacíficos em agressivos. Apenas potencializam um padrão de violência já existente”, destaca. Ela lembra ainda que, embora a violência tenha aumentado, os registros diminuíram em razão das dificuldades de acesso aos serviços de denúncias e à vigilância dos agressores.
Romper o silêncio, salvar vidas
Novamente, o Instituto Avon e Marie Claire se unem para promover o Prêmio Viva, que há três edições homenageia aqueles que estão tentando mudar esses números e essa história. “Nesta edição, buscamos identificar as ações que mais impactaram de forma emergencial as tantas mulheres afetadas severamente por essa crise”, diz Laura Ancona, diretora de redação de Marie Claire. “Dando continuidade ao propósito de sempre, de ampliar vozes, romper as barreiras do silêncio e salvar vidas”, afirma.
Para Daniela Grelin, diretora-executiva do Instituto Avon, o Prêmio Viva 2020 carrega responsabilidade adicional ao observar o ciclo de vulnerabilidade para o qual muitas mulheres acabaram voltando como as principais atingidas também pelo desemprego. E, ao indicar quais iniciativas, para além do enfrentamento da violência no contexto da pandemia, nos ajudarão a emergir da crise. “Aperfeiçoamos nosso trabalho envolvendo mais parceiros em diferentes áreas de apoio à mulher, assegurando maior representatividade em todas as regiões do país. E, ainda que em um cenário difícil, tem sido animador detectar que soluções impactantes para o momento já estão em curso”, completa a executiva.
Nas edições anteriores, a premiação apresentou as histórias e ações de 24 finalistas, todos comprometidos de cabeça e coração com o enfrentamento da violência contra meninas e mulheres no Brasil. Em 2020, serão outros 24 escolhidos para concorrer nas categorias Sociedade Civil, Educação, Justiça e Segurança, Legislativo, Autonomia Econômica, Saúde, Eles por Elas e Revendedora Avon.
Neste ano, a missão se amplia ao olhar para ações emergenciais de defesa aos direitos das mulheres, as maiores vítimas de violência e privações econômicas na pandemia do novo coronavírus, e o evento ganha corpo na internet, em apresentação virtual e interativa. Siga nossas redes e site para acompanhar os próximos passos e conhecer de perto a história de cada um dos finalistas listados a seguir.
FINALISTAS 2020
Sociedade Civil
Laina Crisóstomo
Indira Xavier
Marciane Pereira dos Santos
Justiça e Segurança
Candida Cristina
Ana Rosa Campos
Maísa Felix Ribeiro de Araújo
Autonomia Econômica
Luciana Azambuja Roca
Maite Schneider
Elizandra Cerqueira e Juliana da Costa Gomes
Eles por elas
Nadilson Portilho Gomes
Sergio Barbosa
José Miguel Nieto Olivar
Educação
Helena Silvestre
Virginia Rigot-Muller,
Daniela Orofino e Maira Baracho
Luzitânia de Jesus Silva
Legislativo
Maria do Rosário
Jandira Feghali
Sâmia Bomfim
Saúde
Winnie Santos
Bruna Menezes Gomes da Silva
Magna Barboza Damasceno
Revendedora Avon
Prescila Venâncio
Pricilia Vasques
Veronique Alves Ribeiro