Estudo liga prefeitas mulheres a menos mortes de crianças
Prefeitas mulheres costumam se sair melhor do que prefeitos homens no combate à mortalidade na primeira infância, independentemente do espectro político, aponta um estudo conduzido por pesquisadores brasileiros e publicado nesta terça-feira (07/07) na revista científica americana Health Affairs.
A pesquisa analisou dados de 3.167 dos 5.565 municípios brasileiros – foram descartados todos os que apresentavam consideráveis falhas nos registros. Nessa amostragem, a mortalidade de crianças de até cinco anos caiu de 25,1 para 13,6 por mil nascidos vivos entre 2000 e 2015. No mesmo período, destaca o estudo, o percentual de prefeitas mulheres saltou de 4,5% para 9,7%.
“A eleição de uma prefeita foi associada a uma redução na taxa de mortalidade em crianças menores de cinco anos de 0,027 ponto percentual”, comenta a nutricionista Ana Clara Duran, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e uma das autoras do estudo. À DW Brasil, a nutricionista apontou que uma redução semelhante também foi observada quando a proporção de deputadas estaduais e federais aumentou.
“Estes achados se mantiveram mesmo após ajuste para o partido político da eleita, ou seja, o efeito é independente do espectro político”, ressaltou Duran. “A representatividade da mulher amplia a implementação de projetos sociais e o acesso à saúde pública.” O estudo envolveu cinco pesquisadores, da Unicamp, da Universidade Federal da Bahia, da Universidad de Los Andes (Colômbia) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Os pesquisadores utilizaram uma série de variáveis para cruzar e filtrar os dados. Eles perceberam que no caso de prefeituras comandadas por mulheres, a cobertura de programas sociais é mais abrangente do que nas cidades chefiadas por homens. O Bolsa Família, por exemplo, tem uma abrangência 2,5% maior nessas cidades. O Estratégia Saúde da Família, do Ministério da Saúde, tem uma cobertura 1,9% maior nessas localidades do que nos municípios sob gestão masculina.
Segundo Duran, para analisar essa relação entre o “empoderamento político das mulheres” e os óbitos infantis, os pesquisadores fizeram um banco de dados cruzando os registros disponíveis e ajustando-os com as variáveis entendidas como importantes. Os pesquisadores não abriram os dados completos da pesquisa para a reportagem.
“Fomos educadas para cuidar de idosos, crianças e doentes”
Prefeita de São Paulo entre 2001 e 2004, Marta Suplicy acredita que mulheres têm, culturalmente, uma sensibilidade maior para questões de saúde pública.
“Não à toa, pois por gerações fomos educadas para cuidar de idosos, crianças e doentes. O que custou caro, pois ficamos alijadas do poder. Quem consegue chegar lá e manter essas características ditas ‘femininas’ certamente tem comportamento diferenciado”, avalia a ex-prefeita à DW Brasil.
No ano 2000, a mortalidade infantil em São Paulo era de 18,4 por mil nascidos vivos. Dados de 2006 mostram um declínio para 12,9 pontos. Em 2017, ano do último levantamento disponibilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram 11,2 mortos por mil nascidos.
O IBGE computa como mortalidade infantil os óbitos ocorridos no primeiro ano de vida da criança – padrão convencional em todo o mundo. No estudo divulgado nesta terça, foi utilizado o critério de mortalidade até os cinco anos de idade, o que está alinhado com os parâmetros do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Suplicy elenca programas sociais de sua gestão, principalmente os focados na saúde da mulher, e a municipalização dos serviços de saúde, como fatores que contribuíram para esse quadro.
O Painel de Monitoramento da Mortalidade Infantil e Fetal, do Sistema de Informações sobre a Mortalidade (SIM), do Governo Federal, registra 1.544 mortes em São Paulo no ano de 2005. Em 2000 foram 2.411. O levantamento também considera apenas os óbitos ocorridos no primeiro ano de vida.
De norte a sul
Micarla de Sousa, que foi prefeita de Natal entre 2009 e 2012, destaca, de sua gestão, programas em que a criança recebia merenda também para levar para casa e serviços de atendimento de saúde, em mutirão, nas escolas infantis. “Acredito que conseguimos melhorar o nível de saúde das crianças, principalmente nas creches”, comenta.
O coeficiente de mortalidade infantil do município caiu de 16,5 por mil nascidos vivos para 12,4 de 2008 para 2009, segundo o IBGE. O cenário continuou melhorando e, em 2011, a cidade teve um índice de 10,1 – que segue sendo o melhor resultado da série histórica disponibilizado pelo IBGE, já que os últimos dados, de 2017, foram de 13,3.
De acordo com o SIM, foram 136 registros de morte infantil no município em 2008. O número caiu ano a ano, respectivamente para 104, 93 e 81 óbitos, voltando a aumentar em 2012 – 120 mortes.
“Conheci várias mulheres gestoras na minha época, e todas tinham o mesmo tipo de perfil: voltado para a área social, para a área de gestão entre educação, saúde e assistência social”, diz Sousa. “Mulheres têm um olhar mais focado nessa área de cuidar de gente.”
Sandra Kennedy, que foi prefeita entre 2009 e 2012 e hoje é vereadora em Registro, no interior paulista, prefere se lembrar de outra mulher para falar de sua gestão: a médica sanitarista Maria Cecilia Dellatorre, secretária de Saúde de sua gestão. “Foi sob o trabalho dela que logramos êxito nos cuidados de saúde, ampliando acesso fundamentalmente”, comenta Kennedy, à DW Brasil. “Há um preconceito histórico que dificulta uma mulher na política. Isso está arraigado e hoje muito mais explícito.”
Dados do IBGE também mostram redução da mortalidade infantil no município em sua gestão. Em 2008, foram 14,5 óbitos por mil nascidos vivos. Em 2012, último ano de Kennedy à frente da prefeitura, o índice estava em 10,5. O ano de 2010, com 7,3 mortes por mil nascidos vivos é o segundo melhor da série histórica – só foi superado pelos dados de 2017, quando o índice foi de 6,3 óbitos por mil.
Matéria publicada em www.dw.com