Nota de Repúdio à Folha de São Paulo
Nós da Tamo Juntas, assim como todo pais, fomos abaladas pela notícia trágica da morte da cantora Marília Mendonça no dia 5/11/2021, para além de ser uma perda repentina de uma artista cujo trabalho alcançou enorme sucesso no cenário nacional nos últimos anos, Marília Mendonça construiu sua história artística focada nas questões emocionais do universo feminino. Reconhecida como Rainha da sofrência, suas composições trouxeram, na verdade, uma abordagem diferente do que já havia sido produzido no universo sertanejo, Marília construiu um discurso de superação, de valorização da mulher, de sororidade e de muito autoamor e autocuidado feminino. Por essa razão, o texto divulgado pelo Jornal Folha de São Paulo em seu obituário, para além de ser um desrespeito a todas as mulheres e ao luto de todos que amam Marília Mendonça, reverbera, alimenta, reforça o machismo, a misogenia, discursos opressivos pautados em padrões irreais e podres de beleza e sucesso, que oprimem e levam incontáveis mulheres à depressão, à solidão, ao isolamento social, a estagnação… É igualmente triste e revoltante que, sobretudo, num momento tão frágil de luto de toda uma nação por uma figura feminina que, indiscutivelmente, alcançou sucesso pelo seu admirável talento e personalidade, tenhamos que lidar com textos como o da Folha e São Paulo, vergonhosamente carente de empatia, cruelmente disposto a ridicularizar uma mulher que se tornou estrela, que carregava consigo uma voz e um corpo potente, imponentes e que inspirava e continuará inspirando muitas mulheres a serem livres e mais felizes com o que elas são e merecem ter.
Marília construiu seu caminho (suas composições revelam isso!) escolhendo o amor, o auto amor e a sororidade e sua obra conquistou a tantos e em tão pouco tempo porque, como disse Bell Hocks: “No momento em que escolhemos amar, começamos a nos mover contra a dominação, contra a opressão. No momento em que escolhemos amar, começamos a nos mover em direção à liberdade, a agir de formas que libertam a nós e aos outros.” Indubitavelmente, o jornal Folha de São Paulo não foi movido pelo amor ao escrever, aprovar e publicar o texto que cruelmente descreveu Marília Mendonça pelo olhar de alguém que observa a realidade e as mulheres por um pequeno buraco sujo e obstruído de fechadura, por alguém que ignorou em Marília a força, a beleza, a empatia, o talento e a capacidade de provocar mudanças positivas, verdadeiras revoluções pessoais em outras mulheres.
Se, diferente de Marília Mendonça, a Folha de São Paulo não escolheu o amor, grande azar o deles, mas não é por isso que precisamos compartilhar a desgraça de quem não sabe amar, merecemos respeito, a memória e a família de Marília Mendonça merece respeito e por isso a Folha deve, pelo menos, remediar o mal que causou publicando nota de desculpas e promessa de que guardarão para eles a crueldade e misoginia que os orientam, pois, conforme nossa Constituição Federal, art. 1°, III, o respeito a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos que sustentam o nosso Estado Democrático de Direto e não abriremos mão disso como Marília Mendonça não abria.