A visibilidade do Lilás para o feminismo

Por Maria Guimarães (*)
 

O Feminismo, que dá nome à luta auto-organizada das mulheres, é a ideia de que mulheres e homens devem ter equivalência no acesso a direitos, liberdades e oportunidades.

 

Vivemos numa sociedade capitalista e patriarcal, em que a exploração, o machismo e a misoginia impedem que haja avanços na conquista dessa igualdade tão sonhada e pela qual lutamos arduamente há várias décadas.

 

Há menos de um século, nós mulheres não tínhamos direito a exercer sequer nossos direitos civis, não tínhamos direito a votar, estudar e nem opinar sobre quaisquer coisas relacionadas à nossa condição de mulher, nem a discutir sobre o nosso próprio corpo, o que fazer com ele e como planejar nossa função reprodutiva. Ainda hoje, o acesso a métodos contraceptivos é muito limitado, e a discussão sobre o acesso ao aborto ainda é negada pelo poder público, ainda mais em tempos de um governo fundamentalista e genocida como o de Bolsonaro.

 

Nesta sociedade patriarcal, onde os homens são considerados o sexo forte e nós, mulheres, somos consideradas o sexo frágil, existe uma imposição do controle do corpo e da liberdade das mulheres, uma imposição do papel de cuidadoras e subordinadas ao homem, sendo que a violência é usada como mecanismo para garantir este controle. Sabemos que essa definição das mulheres, como “sexo frágil”, é algo que não se sustenta, principalmente em tempos de pandemia. Quando olhamos para o trabalho feito por nós para garantir a vida, seja nas famílias ou nas comunidades, seja no trabalho precarizado e mal remunerado, fica escancarado que esse trabalho é fundamental para mover as engrenagens do capitalismo, e que o patriarcado é o que garante que sejam as mulheres a fazê-lo.

E o que é que o Lilás tem a ver com isso? Bom, a visibilidade e o simbolismo do Lilás para o feminismo surgiu ainda na década de 1960, quando, através do processo de auto-organização do movimento feminista, foi adotada esta cor. Sua composição é conseguida através da mistura da mesma medida das cores rosa e azul, que costumam ser adotadas como as cores feminina e masculina pela sociedade. Porém, os primeiros registros históricos da sua utilização são datados do início do século 20, quando foi utilizada pelas sufragistas inglesas para identificar a luta pelo direito ao voto.

O lilás surgiu como uma síntese cromática da luta por igualdade e libertação. Hoje, o lilás continua simbolizando as lutas e os protestos feministas para a superação do patriarcado e do machismo. A simbologia de igualdade fez, desta cor, o símbolo do feminismo. A visibilidade Lilás representa a força deste feminismo antirracista e transinclusivo, que acolhe todas as mulheres com toda a diversidade que nos define e caracteriza, que luta pela despatriarcalização de todos os espaços e dos próprios movimentos onde atuamos. Simboliza toda a força da auto-organização das mulheres que, unidas, lutamos contra essa opressão e exploração que nos é comum.

 

Vamos pintar de lilás e de todas as cores da igualdade, para fazermos ecoar as nossas vozes presas ainda na garganta, para que todxs a ouçam. E isso só será concretizado em uma nova civilização feminista, ecossocialista, antirracista, solidária, fraterna, anticapitalista e internacionalista, onde mulheres e homens sejam livres e iguais.

(*) militante feminista da Comuna, tendência interna do PSOL, no estado de Minas Gerais.

 

Texto originalmente publicado em  https://www.comunapsol.org/

Argentina legaliza o aborto e se põe na vanguarda dos direitos sociais na América Latina

Legisladores debateram projeto de lei de interrupção voluntária da gravidez que permite o aborto livre até a 14ª semana de gestação e deram vantagem da pauta apoiada pelo Governo Fernández

 

É lei. Na Argentina, as mulheres que decidem interromper a gravidez podem fazê-lo de forma legal, segura e gratuita no sistema de saúde. O Senado aprovou na madrugada desta quarta-feira a legalização do aborto até a semana 14 da gestação por 39 votos a favor, 29 contra e uma abstenção. Enterrou assim a lei em vigor desde 1921, que considerava a prática crime, exceto em caso de estupro ou risco de vida da mãe. Nas ruas, a maré verde, a cor símbolo do feminista no país, explodiu de alegria.

Com a nova legislação, a Argentina está mais uma vez na vanguarda dos direitos sociais na América Latina. A partir desta quarta-feira é o primeiro grande país da região a permitir que as mulheres decidam sobre seus corpos e se querem ou não ser mães, como já fizeram Uruguai, Cuba, Guiana e Guiana Francesa (e regiões como a Cidade do México). Nas demais, há restrições totais ou parciais, como no Brasil. A iniciativa, aprovada na Câmara dos Deputados há duas semanas, prevê que as gestantes tenham acesso ao aborto legal até a 14ª semana após a assinatura do consentimento por escrito. Também estipula um prazo máximo de dez dias entre a solicitação de interrupção da gravidez e sua realização, a fim de evitar manobras que retardem o aborto.

A pressão de grupos religiosos e conservadores para manter a criminalização do aborto vinha sendo muito forte, mas não suficiente para repetir o resultado de 2018, quando o Senado rejeitou o projeto. Ainda assim, uma forte ofensiva legal é esperada. No país do Papa Francisco, a Igreja ainda tem muito prestígio. E não só porque trabalha em conjunto com o Estado no atendimento aos mais pobres, por meio de centenas de refeitórios populares. A proximidade de Francisco com o presidente Alberto Fernández, que acabou apoiando a legalização, é evidente, e a questão do aborto sempre foi um território incômodo de disputas. A praça em frente ao Congresso era uma prova disso. No lado celeste, exibindo as cores do país, onde os grupos antiaborto se reuniam, os padres celebravam missas diante de altares improvisados e os manifestantes carregavam cruzes e rosários, fotos de ultrassom e um enorme feto de papelão ensanguentado.

Ao contrário da Câmara dos Deputados, onde a aprovação foi folgada, o resultado no Senado mais conservador era mais incerto. Mas desde o início a expectativa acompanhou os verdes. Os números eram muito equilibrados e tudo dependia de um punhado de indecisos, que imediatamente passaram de cinco para quatro: um senador previu que votaria pró-aborto após um mínimo de ajustes no texto da lei. Horas depois, dois senadores e dois senadores também anunciaram seu voto positivo e elevaram os votos afirmativos para 38, ante 32 negativos. Os contrários, além disso, haviam perdido dois votos antes de partir: o do senador e ex-presidente Carlos Menem, 90, em coma induzido por uma complicação renal; e o do ex-governador José Alperovich, de licença até 31 de dezembro por denúncia de abuso sexual.

 O triunfo do “sim” à lei logo se definiu, ainda antes da meia-noite, quando faltavam ainda quatro horas de discursos. “Quando eu nasci, as mulheres não votavam, não herdávamos, não podíamos ir à universidade. Não podíamos nos divorciar, as donas de casa não tínhamos aposentadoria. Quando nasci, as mulheres não eram ninguém. Sinto emoção pela luta de todas as mulheres que estão lá fora agora. Por todos elas, que seja lei”, declarou a senadora Silvia Sapag durante o debate, em uma síntese do tom dos discursos verdes.

  • Mujeres del movimiento conocido como 'Marea Verde' realiza bailes y cantos durante la espera de la votación en la Cámara de Diputados del proyecto de interrupción legal del embarazo, en Buenos Aires, Argentina, a 10 de diciembre de 2020. 10 DICIEMBRE 2020;ABORTO;LEGALIZACIÓN;ARGENTINA;LATINOAMÉRICA;ABORTO;SALUD;DERECHOS;DERECHOS HUMANOS;BUENOS AIRES Matias Chiofalo / Europa Press 10/12/2020

    Projeto para legalizar o aborto na Argentina chega nesta terça ao Senado, seu último obstáculo

 

  • An activist holds a sign reading ���How long more? It is urgent Alberto��� during a demo outside the Congress building in Buenos Aires, on November 18, 2020, a day after Argentina's President Alberto Fernandez announced on Twitter that he will send an abortion legalization bill to the Congress, amid the new coronavirus pandemic. (Photo by JUAN MABROMATA / AFP)

    Governo argentino acelera agenda legislativa com projeto de lei sobre o aborto e imposto sobre grandes fortunas

 

  • Abortion-rights activists watch a big screen showing lawmakers in session outside Congress in Buenos Aires, Argentina, Friday, Dec. 11, 2020. The Argentine lower house has approved a bill that would legalize abortion. The bill now moves to the Senate. (AP Photo/Natacha Pisarenko)

    FOTOGALERIA: A maré verde em prol do aborto legal na Argentina, em imagens

 

“Queremos que seja lei para que mais nenhuma mulher morra por aborto clandestino. Por María Campos. Por Liliana. Por Elizabeth. Por Rupercia. Por Paulina. Por Rosario. Pelas mais de 3.000 mulheres que morreram por abortos clandestinos desde o retorno da democracia”, afirmava do lado de fora Jimena López, de 27 anos, com um cartaz que dizia “Aborto legal é justiça social”. Entre os que se opunham à lei, muitos criticaram o momento do debate, em meio à pandemia de covid-19, e outros citaram argumentos religiosos, como María Belén Tapia: “Os olhos de Deus estão olhando para cada coração neste lugar. Bênção se valorizamos a vida, maldição se escolhemos matar inocentes. Eu não digo isso, diz a Bíblia pela qual eu jurei”

Nas províncias do norte do país, aquelas mais influenciadas pela Igreja Católica e grupos evangélicos, a maioria dos legisladores se opôs. Na capital argentina e na província de Buenos Aires, por outro lado, quase todos os representantes apoiaram a legalização, qualquer que fosse o partido.

Durante 99 anos, na Argentina foi legal interromper uma gravidez em caso de estupro ou risco para a vida ou saúde da mãe, como no Brasil (que também autoriza aborto em caso de anencefalia). Em todos os outros casos, era um crime punível com prisão. Ainda assim, a criminalização não foi um impedimento: de acordo com estimativas não oficiais, cerca de meio milhão de mulheres fazem abortos clandestinos a cada ano. Em 2018, 38 mulheres morreram de complicações médicas decorrentes de abortos inseguros. Cerca de 39.000 tiveram que ser hospitalizadas pela mesma causa.

“Obrigar uma mulher a manter sua gravidez é uma violação dos direitos humanos”, afirmou a senadora governista Ana Claudia Almirón, da província de Corrientes, no norte do país. “Sem a implementação de educação sexual integral, sem a previsão de anticoncepcionais e sem um protocolo de interrupção legal da gravidez, as meninas correntinas são obrigadas a parir aos 10, 11 e 12 anos”, denunciou Almirón.

“Em 2018 não alcançamos a lei, mas conscientizamos sobre um problema: hoje existem mulheres que abortam em condições precárias e insalubres”, afirma Mariángeles Guerrero, integrante da Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito. “O aborto deixou de ser um assunto tabu que se falava em voz baixa e passou a ser um assunto que tinha de ser debatido politicamente para garantir condições seguras para a realização destes abortos”, acrescenta. Em 1921, quando a lei atual foi aprovada, a Argentina estava na vanguarda regional dos direitos das mulheres, mas a falta de debates posteriores a fez perder a disputa. Agora, o país recuperou o terreno perdido.

 

Matéria El País

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