Por Laina Crisóstomo
Toda história da civilização é contada pelos homens, com os homens e para fortalecer os homens, mas onde estamos nós nas nossas próprias histórias?
Quero falar nesse texto de uma mulher negra incrível como muitas de nós que teve por anos sua história de luta, resistência omitida com o único objetivo de nos fazer desacreditar de nosso poder, conhecimento e capacidade de mudar o mundo, ela é Aqualtune. Quem é ela? Se eu disser que ela é avó de Zumbi todo mundo dirá: Ah! Por que não disse isso antes? Porque não quero dizer isso, não quero mais uma vez contar a história de uma mulher a partir de um homem, quero falar dela, por ela, para ela e com ela.
Aqualtune é uma mulher negra oriunda do Continente Africano, era princesa no Congo. Em 1665 liderou a Batalha de Mbwila entre o Reino do Congo e Portugal, quando após a derrota foi capturada, aprisionada e trazida para o Brasil e vendida como escrava reprodutora. Conta a história que Aqualtune comandou um exercito com 10 mil homens a fim de combater a invasão de seu reino, mas infelizmente não teve êxito.
Ela foi negociada para ser escrava reprodutora, afinal era grande, forte e de ancas largas (boa para parir), mas como era guerreira se revoltou e fugiu para participar da consolidação de Palmares. Como princesa e comandante do exercito no Congo ela tinha muitos conhecimentos políticos, organizacionais e de estratégia de guerra mesmo o que foi, sem dúvidas, fundamental para a República de Palmares.
Entretanto por que falar sobre isso no site da TamoJuntas? Primeiro porque é Julho das Pretas e precisamos conhecer nossas histórias porque representatividade importa muito e segundo porque o texto não acabou e quero trazer uma reflexão sobre violência obstétrica.
O que Aqualtune tem que ver com Violência Obstétrica, Laina? TUDO. Ela foi vendida como escrava reprodutora, mas por quê? Pelos motivos que já mencionei em dois parágrafos acima, sim, mas e ai? Hoje quem são a mulheres que mais sofrem por mortalidade materna e violência obstétrica no Brasil? Bingo, mulheres negras e por quê? Por possuírem as mesmas características que Aqualtune.
Então estamos dizendo que existe racismo no sistema de saúde? Lógico e a perversidade como ele se mantém, se dissemina e aumenta o número de adeptos é assustadora. Os números oficiais falam que 62,8% das vitimas de mortalidade materna são mulheres negras, 65,9% das mulheres que sofrem violência obstétrica são negras, isso quer nos dizer algo, quer denunciar que desde o século 17 nada mudou, mesmo com leis, planos, pactos, políticas públicas, o racismo permanece entranhado nas instituições e nos matando cada dia de uma forma!
Mulheres negras sofrem com o mito de que “são fortes e aguentam a dor” e por isso normalmente não recebem anestesia, poucas conseguem ser acompanhadas no parto (aproximadamente 27%). Mulheres negras e brancas numa mesma comunidade periférica tendem a ter atendimentos diferenciados, mulheres brancas são atendidas por mais tempo, em razão do outro mito também do período da escravidão de que eram frágeis e delicadas necessitando assim de cuidados especiais.
Mulheres negras sofrem violações todos os dias, inclusive de mulheres brancas, que estejamos atentas não somente no Julho das Pretas ou no Novembro Negro, mas todo o ano, afinal 500 anos de escravização não muda mentes da noite para dia, é preciso lutar todos os dias!