Nome de algo

Mais sobre nós por nós mesmas!

Por Laina Crisóstomo

Já faz um tempo que tenho tido a vontade de escrever sobre Maria Felipa, sua história de luta é encantadora, forte e infelizmente como a história de muitas, não são contadas nas escolas. Maria Felipa foi escravizada, todavia nunca deixou de ser guerreira e justa e por isso com a tentativa de Portugal em manter o Brasil como Colônia, decide se juntar ao Movimento de Libertação, sai da Ilha de Itaparica e vai de barco a Salvador dizer que está disposta a lutar ao lado do Movimento, este simplesmente a colocou na retaguarda, caso fosse necessário a chamaria, mas ela não aceitou.

Então Maria Felipa descobre que estão chegando 42 (quarenta e duas) embarcações e decide se organizar para atacar e é isso que faz, reúne mais 40 (quarenta) mulheres, se produzem, como diríamos literalmente “vestidas para matar” e vão a luta. Seduzem os soldados e comandantes e estes certos de que iriam se relacionar com as mulheres do grupo de Maria Felipa vão para um lugar ermo para onde elas os guiam, vão sem saber que o que os espera não é o que pensam, tiram as roupas e de repente são surpreendidas por uma surra de cansanção, enquanto apanhavam e tinham seu corpo queimado pela planta vi ao longe suas embarcações serem queimadas e afundadas.

Sim, essa mulher é maravilhosa, forte, estrategista de guerra mesmo, mas como o texto de Aqualtune não quero apenas falar de Maria Felipa, mas quero trazer sua história para nossa história, como? Falando sobre hipersexualização das mulheres negras, como nossos corpos expostos dão o “direito” aos homens de invadi-los, toma-los e achar que estamos disponíveis.

Propaganda de cerveja preta, Globeleza, Imagens de mulata em propagandas do Governo para atrair turistas, e muito mais. Parece que não há limite para “vender” nossos corpos e Maria Felipa nos mostra a força das mulheres negras que para além dos corpos, possuem mentes brilhantes para não somente combater na guerra, mas contra o machismo, racismo e patriarcado.

Preta defende preta

Por Ana Verena Menezes

A temática “ Nós, mulheres negras” por si só retira a possibilidade de qualquer abordagem impessoal sobre o assunto: aqui somos nós, pretas, falando sobre nossas vivências.  Esse texto se propõe de forma breve e não exaustiva a discutir a ambiguidade de ser mulher, negra, advogada e ativista feminista e ao mesmo tempo apoiar outras mulheres negras vítimas de violência de gênero. Ainda que aparentemente ocupemos lugares diferentes nessa luta somos atingidas por uma violência estrutural que se apresenta em diversas formas e níveis.

O sistema jurídico não foi desenhado para a mulher e muito menos para a mulher negra. Essa afirmação é facilmente confirmada quando analisamos historicamente como surgiram as primeiras codificações e constituições do Brasil. A primeira codificação existente no Brasil foi o Código Civil que tinha como objetivo principal a proteção da propriedade. Não me estenderei muito sobre o assunto mas o fato é que mulheres não eram detentoras de propriedade alguma e as mulheres negras muito menos. A mulher negra no Brasil que por muito tempo esteve na condição de escrava era considerada um bem, posse e não proprietária de qualquer coisa.

Essas pequenas considerações são importantes para entender as desigualdades que se refletem hoje em dia. O ambiente jurídico, apesar de ter cada vez mais a presença de mulheres, mantém os mesmos valores machistas e racistas. Ser mulher negra e advogada é uma posição que definitivamente apresenta uma série de percalços extras. Desde não ser sequer reconhecida como advogada, à falta de espaço laboral, o não reconhecimento das suas habilidades e à pressão estética. Ser mulher negra e advogada é estar lutando contra tudo e todos, porque sua pele, seu cabelo, seu corpo não são nem um pouco o que se espera de uma profissão que foi por muito tempo destinada a uma elite branca e machista.

Enquanto o próprio mundo jurídico ignora ou tenta conformar os nossos corpos estamos ao mesmo tempo lidando com opressões externas e no caso da TamoJuntas defendendo mulheres da violência de gênero. Os índices de violência de gênero têm aumentado para as mulheres negras enquanto diminuiu em relação às mulheres brancas. As mulheres negras em verdade vivem em um ambiente hostil que se revela em suas relações afetivas, no abandono e solidão, na falta de poder econômico, ao assistirem seus filhos negros serem os maiores vitimados no genocídio da juventude negra. As mulheres negras são a maioria população carcerária nas prisões femininas, não estão representadas como as grandes protagonistas das histórias, não são celebradas ou até escaladas para filmes, novelas e na mídia.  As mulheres negras sofrem violência até no momento do parto quando são equivocadamente interpretadas como menos sensíveis à dor, as mulheres lésbicas, bi e trans negras agregam mais um fator que as colocam como potenciais vítimas.

Dentro desse contexto violento a mulher negra advogada ao tempo em que sofre uma pressão que a compele a não estar incluída no mundo jurídico tem o papel de apoiar e fazer valer os direitos de outras mulheres negras. No ativismo e no trabalho voluntário voltado para mulheres esse papel se reforça. Encontramos motivação na crença da mudança e na esperança de proporcionar a justiça a essas mulheres. Encontramos motivação quando uma cliente negra diz: que bom ver você aqui,  queria que minha filha pequena visse uma advogada negra e se inspirasse em você.

Essa semana foi veiculada uma notícia na qual uma mulher negra ajudou a uma desconhecida que desmaiou na rua. Ela passou oito horas no posto de saúde sem querer deixar essa outra mulher preta sozinha à própria sorte. Essa notícia de certo modo reflete um pouco do que é o sentimento do voluntariado de preta para preta. Não podemos deixar vítimas de tantas violências sem apoio diante das injustiças que acontecem com elas – por serem mulheres e por serem pretas. Porque no fundo não tem muita coisa que nos distancie, poderia ser eu ali mas por acaso não é. Ali estamos juntas utilizando as ferramentas possíveis (dentro de um sistema que não foi feito para nós) para colocar ao nosso favor a justiça que merecemos.

Estupro também tem cor

por Glauce Souza Santos


Rememorar e refletir a respeito dos processos de construções da identidade nacional brasileira, baseados na violação colonial perpetrada pelos senhores brancos contra as mulheres negras e indígenas, pode nos ajudar a entender as bases dos terríveis casos de violência contra a mulher, ainda tão recorrentes em nosso país. Sueli Carneiro ao analisar a situação da mulher negra na América Latina afirma que essa violação e miscigenação resultante desse processo está na origem de todas as construções de nossa identidade nacional, estruturando o mito da democracia racial latino-americana, que no Brasil chegou até as últimas consequências.

No Brasil do século XVI estuprava-se para colonizar. Estuprava-se para fazer crescer o país. Estuprava-se para solidificar as hierarquias de gênero e raça. Em pleno século XXI essa cultura do estupro ainda é perpetuada. Colhemos os frutos de uma colonização violenta e, infelizmente, somos uma nação machista e perversa, principalmente com o corpo das mulheres negras que representa 51% dos casos de violência sexual no Brasil.

O papel de romancear os inúmeros casos de exploração sexual das mulheres negras ficou a cargo das narrativas literárias e históricas. Essas narrativas encontraram terreno fértil no imaginário coletivo e contribuíram de forma significativa para a naturalização do estupro em nosso cotidiano. Quem não ouviu falar na índia capturada no mato para se casar com um homem branco e servi-lo? O que dizer dos inúmeros casos de senhores de engenhos que estupravam suas escravas? E aquele padrasto, pai ou tio que abusou da menina de apenas quatro anos de idade e ninguém denunciou? Não dá para esquecer, por exemplo, o poema de Jorge de Lima que, na voz da sinhazinha, culpabiliza a Negra Fulô por ter sido estuprada por seu senhor no momento do açoite. Até hoje a voz da sinhazinha sentencia: “Também… com aquela roupa curta, estava pedindo pra ser estuprada, não é?” “Não era para ela estar naquele lugar!”
Todos esses atos de violência sexual sedimentaram e sedimentam as hierarquias de gênero e raça no Brasil. Rosiska Darcy de Oliveira aponta que é necessário saber de onde vem tanto ódio contra as mulheres e estancá-lo. Mas como fazer isso em um país em que nossos políticos se recusam desconstruir tais hierarquias, rejeitando, por exemplo, com veemência, a proposta de discussão das questões de gêneros indicada pelo Plano Nacional de Educação?

Diante de um tempo desfavorável politicamente, cabe a nós: educadores (as), líderes religiosos (as), pais, mães e demais membros da sociedade civil, comprometidos com uma mudança social e radical no país, trabalharmos pelas vias alternativas: insistindo na problematização das noções culturais sobre o papel de homens e mulheres na sociedade, levando em consideração as questões raciais. Assim, estaremos contribuindo com a desconstrução de uma lógica masculina, branca e perversa que sexualiza, exacerbadamente, a mulher negra; legitima o estupro; culpabiliza, constantemente, a vítima; e dita as regras para ser e estar no mundo.

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