Por Laura Augusta
Escrever nem sempre é uma tarefa fácil, principalmente quando existe um universo de situações e pessoas criticando, sem sugestões, o processo de construção textual. Quando estamos aprendendo algo e alguém nos diz que estamos no caminho errado, sem sugestões de melhora, com várias portas fechadas é realmente muito difícil estar segura e até mesmo falar sobre o ‘não conseguir’ construir um texto sozinha . Esse é um exemplo cotidiano no mundo de milhares de mulheres negras que gostariam muito de se expressar textualmente sobre seus sentimentos, mas assim como são os textos, são as dores, as experiências, o conforto, respeito e a vida dessas pessoas.
A nossa auto-estima é construída na relação com outro e para nós que estivemos sempre no lugar de negação, tudo é questionado. Nossa capacidade intelectual, nossa beleza, nossa história, nosso pertencimento religioso, as histórias das nossas mães, avós , tias. Nossas indumentárias. Tudo é passível de questionamento. E crescer negra e mulher numa sociedade que tudo questiona é sofrer psiquicamente todos os dias os danos ancestrais do não lugar no mundo, no mercado de trabalho, na vida das pessoas, nas experiências afetivas e por fim reviver violências e ser conduzida a achar natural tudo isso.
Quando o feminismo surge e coloca em pauta as relações de gênero, fazendo emergir a palavra sororidade que se tornou um boom nas redes sociais e nas conversas militantes no combate ao machismo, tudo se tornava tão longe de nós, pois as nossas feridas são tão profundas e tão velhas que fica difícil dialogar sobre voto e trabalho num nível tão desonesto e sem equidade que ficamos realmente distantes em tudo. E toda proposta de possível afetividade entre mulheres nunca será justa enquanto não colocarmos na balança dos privilégios quem sofre e quem sempre sofreu mais. Então escrever, falar,aprender, se relacionar, construir uma carreira firme ou o primeiro emprego, tudo isso é muito injusto quando colocamos na mesa a falácia dos méritos.
Se observarmos com uma lupa racial quem majoritariamente ocupa os trabalhos de prestação de serviço de base iremos ver a nossa cara estampada obrigatoriamente nesse espaço, pois socialmente esses são apenas os espaços que nos esperam. Logo, para se mover socialmente na pirâmide do capital, requer muita energia pra enfrentar essas galinhas pulando todos os dias. E essa energia é saúde, é desgaste que são potenciais fatores para os adoecimentos que já conhecemos nas histórias de nossas mães, avós, tias e que acabamos herdando geneticamente.
O ‘se dar valor’ aqui, quando colocamos no papel, quando expressamos a nossa história, nossos sonhos e desejos seja pela voz, pela dança, pelo olhar, pela reatividade, tem um outro sentido. Se dar valor aqui, não significa se recatar ou se padronizar ao silêncio que se espera de nós, dar-se valor aqui não significa uma cobrança como se o valor fosse como um preço. O valor aqui é uma lembrança, uma memória de Dandara, Akotirene, Maria Felipa e de tantas que a história silenciou, mas deixaram para nós a riqueza sem preço das estratégias de luta, sobrevivência e principalmente vitória. Se dar valor aqui significa não aceitar nenhum dialogo sobre nós como recorte, sabendo que somos a maioria da população brasileira. A caminhada tem sido de muitos calos, de muitos furtos, muitas pedras no meio da estrada, mas a cada encruzilhada encontramos um potente motivo para continuar caminhando, no encontro do caminhar das outras e ensinando as que estão vindo a andar, sem romantismo, mas com muito afeto.